Projeto: “Anotações sobre os pecados”
O grupo Antropoantro é formado por sete artistas campineiras: Beth Schneider, Inês Fernandez, Lalau Mayrink, Olivi Niemeyer, Silvia Matos, Tina Gonçalez e Vane Barini, que trabalham juntas desde o ano 2000. O grupo se reúne toda semana no Ateliê de Criatividade Silvia Matos para debater questões da arte contemporânea e preparar novas atividades.
O projeto “Anotações sobre os pecados” consta de um trabalho individual e de sete obras diferentes de cada artista sobre o tema proposto pelo curador Marco do Vale.
São sete os chamados “pecados capitais”, como somos sete as artistas no grupo Antropoantro; assim, cada uma de nós se encarregou de um deles na sua proposta artística. Não se trata, evidentemente, de uma visão religiosa ou teológica, mas de um conjunto de anotações que envolve artes plásticas, literatura, metalinguagem e conceitos estendidos dos pecados. Nossa abordagem considera, na verdade, a atualização destes pecados na vida contemporânea, sem pretender de forma alguma uma abordagem moralizante.
O projeto exemplifica a diversidade do grupo: pintura, objetos, instalações e vídeo. O valor artístico deste projeto não recai somente, ou especificamente, na materialidade das obras, mas também na sua imaterialidade: na circulação de ideias e no repensar das ofensas/pecados no momento atual em que vivemos
MARCO DO VALLE
CURADORIA
Recebi o convite para trabalhar com o Grupo Antropoantro com esta proposta aqui apresentada e o fizemos com muito empenho de todos. Nesta exposição temos: escultura, pintura, objeto, instalações e vídeo. Esta diversidade qualifica a exposição que não se pretende homogênea. Nos trabalhos não se encontra, exatamente, uma visão religiosa ou teológica dos conceitos e da história dos pecados como tentação, mas sim um conjunto de anotações que envolvem artes plásticas, literatura, metalinguagem, pós-modernismo e conceitos estendidos destes pecados por cada uma das artistas. A abordagem como uma espécie de atualização destes pecados entendidos na vida contemporânea. Claro que a moral e a estética mudaram, ficando a arte de hoje menos sensível a ética que em outros tempos. Os trabalhos destas artistas não pretendem ser uma divulgação de empenho moral, mas apontam como anotações ou visões deste mundo contemporâneo. Cada uma das artistas mergulha estes temas ou pecados no mundo contemporâneo. Com isto, revelam, ainda que por pouco tempo, por oposição ou indiferença, nossa percepção do que vivemos aqui e agora.
BETH SCHNEIDER
Luxúria / O meu olhar se prenderá aos teus pés
2015
Instalação
Impressão em papel fotográfico
80 fotos 19x38 cm
Par de sapatos, fotografado em diferentes posições dentro de um caixa.
Luxúria (do latim luxuria) é uma emoção de intenso desejo pelo corpo.
Segundo a doutrina católica, é um dos sete pecados capitais e consiste no apego aos prazeres carnais, corrupção de costumes; sexualidade extrema, lascívia e sensualidade.
Sapatos signos e simbolismo de cada cultura que ao longo do tempo será absorvida e assimilada pela sociedade.
A cultura e a sociedade têm uma forma peculiar de representar os sapatos que transcende funções utilitárias para expressar status, fetiche, etc. O fetiche, aos olhos de Freud, relaciona-se à atribuição de poder a um objeto inanimado. Tal objeto teria a incumbência de simbolizar o corpo.
“O meu olhar se prenderá aos teus sapatos. Amo-os como amo a tí (...).
Aspiro o seu perfume, o seu aroma de verbena”.
(Gustave Flaubert)
TINA GONÇALEZ
VANITAS VANITATUM ET OMNIA VANITAS
2014
Cinco fotografias plotadas em acrílico
80X100 cm
“Vaidade de vaidades, tudo é vaidade” (Eclesiates - Antigo Testamento,1:2).
Visto como algo passageiro e frágil na sua condição temporal, a vaidade aponta para a ausência de sentido ou propósito na existência humana, deslocando a consciência de si mesmo para aparência e o hedonismo.
Presente nos mitos, literatura, psicologia e outros aspectos da cultura, a vaidade está presente na sociedade contemporânea como um reflexo que se firma através do olhar do outro para alcançar simultaneamente, a admiração e a inveja.
A autoimagem e o olhar formam o alicerce desse trabalho - sou aquele que se olha e aomesmo tempo é olhado. Os instrumentos do olhar são formados pela objetiva da câmera e o espelho.
Como um selfie hipérbolico que se estende ao infinito, a modulação dessa autoimagem é construida como parte de um discurso metafórico que não se finda. Tal como o indivíduo que intencionalmente mascara sua personalidade não deixando que o interlocutor vislumbre seu verdadeiro eu, as imagens são construídas com um anteparo que interrompe a visão do todo, fragmentando-a em camadas circulares como pequenos lagos narcísicos.
Ampliando o sentido de autoafirmação, a vaidade é apresentada como parte de uma narrativa imagética que reafirma a importância do “eu” - ego, meī, mihi, mē, mē – frente a um mundo que acolhe legitima oculto ao personalismo.
cinco imagens- Tina Gonçalez
INÊS FERNANDEZ
Quando o muito é pouco
2015 tubos de PVC e moedas
150 cm x 150 cm
Quando o pouco é muito
2015
4 Fotografias
60x60 cm cada
“Para a nossa avareza, o muito é pouco, para a nossa necessidade, o pouco é muito.” (Sêneca)
INÊS FERNANDEZ
LALAU MAYRINK
Elogio å Preguiça ou Homenagem a Macunaíma
2015
desenho/bordado
Três redes rústicas, tecido de algodão, linha
300 cm x 140 cm (cada rede)
Elogio å Preguiça é o que é: um elogio ao pecado que impede outros pecados de serem cometidos. Uma homenagem a Macunaíma, o herói sem nenhum caráter de Mário de Andrade e sua frase bordão "Ai, que preguiça!".
Na época da produtividade e do elogio ao trabalho massacrante, em que o lazer passa a ser determinado pelo intervalo "merecido" e "ganho" entre períodos de trabalho duro, lazer governado pelo marketing das férias fabricadas (no Caribe, em Miami, em Disneyworld e assemelhados), um elogio å preguiça pura e simples - ao ócio mal visto e que se tenta banir do mundo contemporâneo - faz-se necessário.
A rede é o símbolo desse ócio que permite a criatividade aflorar. O bordado, trabalho gratuito ou mal pago e pouco considerado, reforça essa ideia de ócio.
LALAU MAYRINK
OLIVIA NIEMEYER
“Inveja: mais ou menos Mira Schendel”
2015
Duas placas em
aço
200 cm x100 cm
Duas placas em acrílico 1x1 m
Nesse trabalho, o que me interessou foi, sobretudo, a utilização por Mira, em suas Monotipias, de cartelas de Letraset, um elemento industrial, banal, de fácil aquisição, que desmistifica a técnica, já que está ao alcance de qualquer um. O uso da Letraset foi o ponto de partida para meu trabalho: uma placa de aço recortada por laser, imitando essa cartela.
Outras duas placas fazem parte da obra e, desta vez, o material usado é acrílico transparente, com letras adesivadas, formando “enxames” e espaços vazios. Me aproprio, igualmente, do título de um trabalho de Mira, “Mais ou menos frutas” que, por sua vez, apropriou-se de “Mais ou menos paisagens”, título de uma séria pintada por Morandi. A inveja gerando relações de cumplicidade que partem de uma intenção objetiva (a cópia) e que encontram desvios ao longo do processo (as mudanças criativas). Uma relação ambígua ou a angústia da influência.
SÍLVIA MATOS
Por aqui não se passa sem que se sofra o calor do fogo
2015
Instalação de parede tinta acrílica sobre tela preta e lona acrílica preta
400 cm x 300 cm
A raiva ou ira tem vários graus de intensidade. A menos intensa, de acordo com a Bíblia Sagrada, naquele tempo, era até bem vinda, pois servia para admoestar os fiéis que cometiam pecados. Hoje em dia a raiva, segundo Leandro Karnal, pode até ser aceitável para permitir que o ser humano seja enérgico na disputa do dia a dia. Nessa pintura está representado o descontrole, o grau máximo da raiva. Dante Alighieri na sua obra A Divina Comédia, coloca a raiva no 5º Círculo do Inferno onde são castigados os irados e rancorosos. Lá fica Flégias, o demônio que conduz o barco nas águas escuras, lamacentas e borbulhantes do Estige.
VANE BARINI
GULA
Ano: 2015
Técnica: vídeo
Material: televisão ( o projeto não requer sala escura para sua apresentação)
GULA
DESEJO INSACIÁVEL/VORACIDADE/COBIÇA/AMBIÇÃO/AVIDEZ/EXTREMO
EGOISMO/FOME/SOFREGUIDÃO/DESEJO ARDENTE/QUE CORRÓI/QUE DESTRÓI/QUE DEVORA.